- E em matéria de literatura?
Eu prefiro a revista. A revista, meu caro, é o manual mais barato da criatura inteligente. É na revista que este mundo gira. Com hemisféricos e tolices. É na revista que a sua mão folheia o previtismo (sic) universal.
Primeira página, os anúncios. E o poeta que mandou seu poema comovido, em lugar de revê-lo numa página inteira vinhetadíssima (sic) e ilustrada, vai encontrá-lo ali na página de anúncio, entre o reclame de um guaraná e o cartaz enquadrado de um novo filme americano.
Depois retratos. Pensamentos. O cavalheiro que morreu. O que casou. Uma crônica enorme de divulgação ou crítica. E um sonho desterrado entre dois instantâneos pelo bom senso do paginador.
Moedas. Cinema. Arte. Curiosidades. Cada revista é um comprimido de satisfação espiritual. Porque o mundo é pequeno, tão pequeno, que a sua mão o folheia, displicentemente, nas trinta e várias páginas de uma revista de mil réis.
Deixe a primeira página, meu caro. Tenha a coragem dos turistas. Toda a revista é uma excursão maravilhosa, que não exige enjôos de ruas nem cicerones enjoativos. Vá navegando por aí no saborzinho (sic) de suas velas. E mariscando sensações neste tumulto de linotipia.
Você conhece o Gênesis? É claro. Sabe, portanto, que Eva liderou esta campanha universal da curiosidade feminina. E que um dia, sonhando à sombra da árvore da Ciência, sentiu o olhar de absinto da serpente esparramado no seu corpo.
Eva ergueu num tremor o busto virgem. Mas a voz serpentina escorregou no ouvido dela.
Falou do mundo imenso que ela desconhecia. Dos animais. Das flores. Do vôo dos pássaros contentes. Mostrou-lhe o tipo mais moderno e chique da folha da parreira. E receitou-lhe o modo mais gostoso de preparar o fruto proibido.
Se não me engano, esta serpente da anedota bíblica é a precursora maliciosa da revista.
|
Texto publicado na REVISTA DO GLOBO
Edição da Livraria do Globo
Porto Alegre, 17 janeiro de 1931
Ano 3; nº 2; p.5
|