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29/09/2016 15:29 por Douglas
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"Renato Russo era mais filosófico do que Raul Seixas" ouvi hoje, o que me deixou perplexo, desde então não sosseguei, precisava escrever sob pena de digitalizar capas de livros de cabeça pra baixo, senão a contracapa.
"Gosto não se discute", a máxima da sabedoria popular é, em parte, verdadeira. O agrado ou desagrado que determinada afecção causa no sujeito é subjetiva, como disse Kant, logo os juízos de gosto (os juízos estéticos) são subjetivos, ainda que tenham a aspiração a se tornar universais: "Beethoven é o melhor! ponto final..."
Mas não se pode confundir gosto com certas propriedades qualitativas: que alguém prefira carmenere ou vinho rose a cabernet sauvignon, isso é o seu gosto. Outra coisa é reconhecer as diferenças objetivas entre tais vinhos.
Raul Seixas é filosófico porque pensa em abstrato, suas reflexões visam atingir a xincha das coisas, o frigir dos ovos, ele contempla o mistério do ser: o nome disso é Metafísica. Renato Russo é afetivo, escreve inspirado na sensibilidade emotiva. Procura incessantemente a sua concepção de Justiça, mas a toma como dada, como um "dado", é assim, um moralista, um defensor de uma determinada concepção ou sistema ético; Raul Seixas problematiza a Ética, atingindo a indagação Metaética.
Talvez Renato Russo até seja mais culto que o Maluco Beleza, como dizia Raulzito: "Eu vejo os livros na minha instante, que nada dizem de importante, servem só pra quem não sabe ler". Talvez, porque quando Renato Russo estava indo, Raul já estava voltando (isso sim é mera opinião pessoal). Raul Seixas tinha pendores místicos, é verdade, mas o místico não deve ser confundido com o supersticioso, o primeiro segue a trilha da intuição, é pessoal e intransponível (como dizia Wittgenstein: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar"), o segundo precisa sempre de um charlatão. Nada que o místico intui é sobrenatural ou além-mundo, é apenas uma via mais direta, porque intuitiva, que o caminho discursivo e silogístico da razão. Raul Seixas, assim como Fernando Pessoa, Jung e o supracitado Wittgenstein, entre inúmeros outros, apenas encontraram no Oculto como que matéria prima para suas inteligências abstratas e profundamente filosóficas.